O terceiro concerto do XIV Cistermúsica não levou, ontem à noite, mais de cinquenta espectadores ao grande auditório do Cine-Teatro de Alcobaça, facto que me suscita algumas dúvidas no que respeita ao facto de o Festival de Música de Alcobaça ter ao longo dos seus quinze anos de existência conseguido, ou não, ganhar e manter um público dedicado. Parece-me que não, e ainda ontem mirei cirurgicamente a plateia do mais importante edifício cultural de Alcobaça, chegando facilmente à desoladora conclusão de que aquilo a que poderemos chamar de público fiel do Cistermúsica não chega a atingir as 20 pessoas. Principalmente a partir da altura em que, muito adequadamente, o festival começou a cobrar a entrada nos seus concertos...
Em palco, naquela noite de sábado 27 de Maio, estiveram a soprano norte-americana Elizabeth Keusch e o plurinacional Ensemble Contrapunctus. O espectáculo começou com a interpretação do Quarteto com Flauta em Ré Menor K. 285, de Mozart, um dos compositores homenageados nesta edição do Cistermúsica. Desta vez o notável compositor teve muito mais sorte que no concerto inaugural do festival, tendo a sua música sido muito melhor tratada e apresentada que na semana anterior, embora o quatro instrumentistas em palco tivessem pura e simplesmente cumprido o seu papel, sem grandes devaneios, o que até nem foi mau, embora pudesse ter sido muito melhor. Seguiu-se a interpretação de Sete Poesias de Blok para soprano e trio com piano, op. 127, de Chostakovich, confirmando o que na semana anterior aqui escrevi, ou seja, que até à data aquele tem sido o compositor cuja música tem sido mais convincentemente interpretada nesta edição do Cistermúsica, embora Elizabeth Keusch não tivesse demonstrado grandes rasgos interpretativos, apesar da sua boa dicção. A primeira parte do espectáculo terminou, deixando no ar a sensação de que, afinal, a escassa presença de público até tinha a sua justificação...
A segunda parte do espectáculo começou com a interessante Märchenerzählungen para clarinete, violeta e piano, op. 132, de Robert Schumann, cuja interpretação, certinha e eficiente, mas sem nada de transcendental, confirmou os meus temores de que a enorme qualidade que o festival apresentara no Convento de Cós, no domingo anterior, só muito dificilmente se voltaria nele a repetir este ano, o que para mim significa, muito claramente, que este será o ano com qualidade artística menos representativa desde que o Cistermúsica entrou no século XXI. Para o final do concerto aguardava-se o marcante e incontornável Pierrot Lunaire, de Arnold Scömberg, que, curiosamente, era a interpretação mais ansiada da noite para a maioria do público ali presente, facto estranho numa noite em que ess seria a única composição interpretada cujo compositor não integrava o epicentro da concepção temática da edição deste ano do Festival de Música de Alcobaça... E foi aí que a coisa deu um bocadinho mais para o torto, dado que a interpretação do Pierrt Lunaire pelo Ensemble Contrapunctus e pela soprano Elizabeth Keusch foi mesmo a maior desilusão, não só daquela noite como de toda a programação até agora apresentada nesta edição do Cistermúsica 2006. Sabe-se quão difícil é interpretar vocalmente aquela obra musical, não só pela necessidade de interpretar mesmo muito bem o chamado sprechgesang (canto falado) nele utilizado por Schönberg como também pela efectiva expressividade poética daquela produção musical, em que as vertentes musical e teatral se coadunam de um modo mesmo muito raro. Foi aí que Elizabeth Keusch não esteve muito bem, tendo a sua interpretação sido muito mais sprech que gesang, ou seja, muito mais declamada que cantada, nela tendo faltado também muito no aspecto teatral e expressivo, análise extensiva aos instrumentistas do Ensemble Contrapunctus e ao maestro Cesário Costa, que uma semana depois de não ter dado o seu melhor com a Orquestra do Norte, voltou agora a fazê-lo numa pouco empenhada interpretação de um Pierrot Lunaire cuja interpretação exige mesmo muito mais do que o aqui ali vimos e ouvimos! E aqui coloca-se mesmo um questão de princípio, sendo lógico perguntar se valerá sempre a pena contratar artistas estrangeiros para alguns espectáculos deste género de eventos? A questão colocou-se-me agora, dado que precisamente há dez anos, em Julho de 1996, assisti a uma interpretação daquela obra de Scxhönberg numa edição do Festival Música em Leiria, em que a soprano portuguesa Ana Ester Neves esteve mesmo muito melhor em palco do que agora fez a sua colega norte-americana no Cistermúsica 2006. Num ano em que consta que a dotação orçamental do Cistermúsica foi mesmo muito rabiscadinha, será caso para perguntar se a nossa Ana cobrará mais que a Elizabeth deles, ou se não estaria agora disponível para actuar em Alcobaça...
Resta-me agora esperar que o barco navegue por melhor águas, hoje ao fim da tarde, no Mosteiro de Alcobaça, com a conferência/concerto de Patrícia Lopes Bastos sobre as Sonatas e Sonatinas de Fernando Lopes-Graça... Curiosamente, as entradas são livres, pelo que aquele espectáculo servirá também para analisar mais profundamente as razões que muitas vezes têm afastado o público do Festival de Música de Alcobaça. Dados como as entradas a pagar, a qualidade dos artistas, a música apresentada ou até mesmo a inveja e a maledicência pura continuam na mesa!
Sunday, May 28, 2006
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