Saturday, July 21, 2007

PASSAM HOJE 32 ANOS SOBRE VIOLENTO ASSALTO AO CENTRO DE TRABALHO DO PCP EM ALCOBAÇA

Faz hoje precisamente 32 anos que centenas de pessoas provocaram larga agitação em Alcobaça, começando por contestar publicamente, ao princípio da tarde, frente à Câmara Municipal, o então Presidente José Pinto, nomeado pelo Partido Comunista Português. Lembro-me de logo aí ter havido acesa confrontação, nomeadamente acusações a pessoas que estariam armadas com pistolas e armas brancas, provocando mesmo algumas ligeiras agressões e algumas perseguições. Era segunda-feira, dia de mercado semanal em Alcobaça, e já aí se previa que todos esses acontecimentos se iriam agravar naquele dia. E muito!
Estávamos em pleno Verão Quente de 75, como alguém lhe chamou, e no sábado anterior, uma manifestação convocada pelo Partido Socialista para a Alameda D. Afonso Henriques, em Lisboa, acirrara ainda mais os ânimos entre os que então defendiam o governo liderado pelo General Vasco Gonçalves e os que se lhe opunham. Naquela a que alguém chamou a Manifestação da Fonte Luminosa, milhares de pessoas haviam feito transbordar aquela zona de Lisboa, para ouvir Mário Soares exigir publicamente a demissão de Vasco Gonçalves do cargo de Primeiro-Ministro e apelidar a direcção do PCP de "uma cúpula de paranóicos" e a direcção da Intersindical de "uma cúpula de irresponsáveis". Uma análise menos emotiva da situação nacional fora publicada na quinta-feira anterior no Diário Popular, num artigo de opinião de João Martins Pereira, que nesse mesmo dia apresentara a sua demissão do cargo de Secretário de Estado da Indústria e Tecnologia. Essa lúcida análise de Martins Pereira acusava o PS de "obcessão pelo culto do voto", o PCP de "cultivador de um cupulismo dogmático" e o Movimento das Forças Armadas de "estar enredado numa prática política contraditória".
Esse fim-de-semana de Julho de 1975 fora também muito agitado no concelho de Leiria, tendo mesmo um comerciante de Caldas da Rainha sido mortalmente anavalhado durante uma discussão partidária. Nesse mesmo sábado, as carrinhas que transportavam as edições desse dia dos jornais República e A Capital (então fortemente contestados pelos seus posicionamentos editoriais sectários) haviam sido interceptadas por largas dezenas de pessoas na Batalha e no Alqueidão, tendo as mesmas retirado todos os exemplares que ambas as carrinhas transportavam e impedido a sua circulação. Na mesma tarde, em Porto de Mós, cerca de meio milhar de pessoas haviam violentamente assaltado a sede local da Associação 1º de Maio. No mesmíssimo sábado, o semanário Expresso publicava um documento de autoria do Primeiro-Ministro Vasco Gonçalves, em que este se insurgia contra "a exploração intensa do anticomunismo atávico de grande parte do povo português, procurando enquadrar todos os conflitos numa perspectiva de opção pró ou contra o comunismo".
Fora nessa contraditória e radical ambiência pública que chegáramos àquela segunda-feira, 21 de Julho de 1975, em Alcobaça, e lá estava eu, então simpatizante (em profunda reflexão auto-crítica) de um movimento (trotzquista) de extrema-esquerda, no meio de todos aqueles acontecimentos. Curiosamente, não estava (nem nunca estivera) do lado do PCP ou do lado dos que se lhe opunham. Desenvolvendo a minha actividade política em moldes (tão pacíficos e reflectivos)que não me impediam de alimentar amizades de um lado ou do outro. Nos incidentes ocorridos em frente à Câmara Municipal estive mesmo (como mero observador) do lado de fora, ou seja, ao lado (apenas fisicamente) dos que violentamente contestavam o Presidente da Câmara José Pinto e a actividade local do PCP e dos seus militantes e simpatizantes. Mais tarde aquela agitação transferiu-se da Praça João de Deus Ramos para a Rua Alexandre Herculano, onde se situava (e ainda hoje situa) o Centro de Trabalho do Partido Comunista Português em Alcobaça. Adivinhando-se já então o que a partir daí poderia suceder. Largas centenas de pessoas cercaram então ameaçadoramente aquele centro de trabalho. Onde algumas dezenas de militantes locais do PCP se haviam refugiado em defesa dos seus ideiais e da sua sede em Alcobaça. Continuando como (talvez assim não muito) simples observador daqueles acontecimentos, lembro-me de ao fim da tarde terem chegado a Alcobaça algumas forças militares, tentando controlar e conter a ameaçadora situação. Lembro-me de pouco tempo depois terem saido alguns militantes locais do PCP do seu centro de trabalho, entrando numa viatura militar que os transportou dali para fora, através da ostentiva multidão que os cercava. Recordo ainda a coragem que então manifestaram, gritando vivas ao seu partido durante aquele seu arriscado percurso de saida da Rua Alexandre Herculano, enquanto a multidão os vaiava e insultava. Esse exemplo de coragem apenas nesse dia seria superado por dois militantes locais do PCP (de quem ainda hoje sou amigo e apesar de tudo admirador) , que haviam optado por ficar (provavelmente até ao fim) dentro da sua sede, tentando defendê-la contra aquela irada multidão. Consta ainda que esses dois corajosos comunistas alcobacenses, o Américo Areias e o Rui Baltazar, o fizeram armados, o que, verdade ou não, de pouco lhes valeria quando a meio daquela noite centenas de pessoas acabaram por rebentar literalmente com todas as portas do centro de trabalho de Alcobaça do PCP e invadir o seu interior, destruindo tudo o que então lá encontraram. Cá de fora, ouviam-se gritos e tiros, vários tiros, e foi então que eu me apercebi que alguém lá ficara em defesa do que então se tornara indefensável. Muitos documentos e muito mobiliário foram então atirados pelas janelas daquela sede do PCP para a rua e Alcobaça pareceu-me nessa noite tão violenta e monstruosa como eu nunca imaginara ser possível... Julguei então que alguém pagara com a vida a sua dedicação política (a um ou a outro lado)... Felizmente enganar-me, e ficou para a História o dado de que o saldo definitivo de toda aquela agitação se quedara na destruição do interior daquele centro de trabalho e em sete feridos. Do mal menos...
No mesmo dia, em Minde, fora também atacada a sede local do Sindicato dos Têsteis (exigindo o saneamento de alguns delegados sindicais), tendo-se registado quatro feridos, enquanto na Lourinhã outra multidão havia exigido o saneamento de três funcionários do Banco Nacional Ultramarino (considerados afectos ao PCP) e de dois funcionários da Repartição de Finanças (considerados afectos ao MDP/CDE). No dia anterior, num colóquio realizado no Porto, o professor e deputado suiço Jean Ziegler havia referido "que só em 1974 foram absorvidos nos bancos da Suiça à volta de um bilião de escudos fugidos secretamente de Portugal". No mesmíssimo colóquio, o Bispo do Porto, António Ferreira Gomes (exilado de Portugal por se ter oposto a Salazar) opinou que "o voto de braço no ar, usado em plenários de trabalhadores e de sindicatos é a maior violação e a mais hipócrita das ofensas à democracia e à dignidade". Era assim o Portugal daquele Verão Quente de 1975...
(além da minha memória pessoal e dos meus próprios arquivos, esta postagem deve também muito à consulta do imprescindível livro Os Dias Loucos do PREC (do 11 de Março ao 25 de Novembro de 1975), de autoria dos jornalistas Adelino Gomes e José Pedro Castanheira, conjuntamente publicado em Abril de 2006 pelo semanário Expresso e pelo diário Público)

2 comments:

PPenteado said...

Agradeço-lhe esta memória dos acontecimentos. Nesse dia, tinha eu 10 anos, fui com o meu pai a Alcobaça. Recordo-me de estar no mercado e começar uma multidão a fluir para a frente da Câmara, contestando o PCP. Recordo-me de, no final, ter feito uma observação ao meu pai, em frente de um homem que vendia bengalas e mocas, o qual, antes da contestação, tinha muitas para venda e quando regressávamos, já só tinha uma ou duas...

José Alberto Vasco said...

Caro Pedro: muito obrigado pelo seu comentário e pelo seu interesse. Provavelmente, durante o mês de Novembro, haverá um programa da Rádio Cister sobre esse assunto e essa memória...