Saturday, March 18, 2006

UM POEMA SOBRE A REPRESSÃO POLICIAL, ENTÃO SEMPRE PRESENTE...

OS TEMPOS NÃO

Os tempos não vão bons para nós, os mortos.
Fala-se demais nestes tempos (inclusivé cala-se).
As palavras esmagam-se entre o silêncio
que as cerca e o silêncio que transportam.

É pelo hálito que te conheço no entanto
o mesmo escultor modelou os teus ouvidos
e a minha voz, agora silenciosa porque nestes tempos
fala-se demais são tempos de poucas palavras.

Falo contigo demais assim me calo e porque
te pertence esta gramática assim te falta
e eis por que todos temos a perder e por que é
cada vez mais pesada a paz dos cemitérios.

MANUEL ANTÓNIO PINA

Friday, March 17, 2006

MAIS UM BOCADINHO DE PRÉ-HISTÒRIA DA CHAMADA REVOLUÇÃO DOS CRAVOS

24 de Março de 1974- Numa das suas reuniões clandestinas o MFA decide marcar o golpe de Estado para a semana entre 20 e 28 do mês seguinte: Abril. Otelo Saraiva de Carvalho fica encarregado do respectivo plano militar.
28 de Março de 1974- Sem o saber ainda, Marcello Caetano apresenta a sua última Conversa em Família, na televisão e na rádio.
24 de Abril de 1974- Transcrição de parte de um editorial publicado na edição desse dia do Diário de Notícias: "Quando menos se espera, certa imprensa estrangeira avoluma acontecimentos e empresta-lhes significado e importância que não têm, imagina desenlaces, como se o fim do regime estivesse à vista"...
No Cinema Condes, em Lisboa, está em cartaz o filme O Esquadrão Indomável...
Em Hollywood, o grande vencedor dos óscares desse ano é o filme A Golpada, de George Roy Hill, com Paul Newman e Robert Redford...
25 de Abril de 1974- O MFA conduz com pleno sucesso o golpe de Estado que preparara, pondo fim ao regime ditatorial que governara Portugal durante 48 anos.

Thursday, March 16, 2006

UM SONETO SOBRE UM PAÍS EM QUE ATÉ A COCA COLA ERA PROIBIDA...

PERFILADOS DE MEDO

Perfilados de medo agradecemos
o medo que nos leva da loucura
decisão e coragem valem menos
e vida sem viver é mais segura

Aventureiros já sem aventura
perfilados de medo combatemos
irónicos fantasmas à procura
do que não somos, do que não seremos

Perfilados de medo, sem mais voz
o coração nos dentes oprimidos
os loucos, os fantasmas, somos nós

Rebanho pelo medo perseguido
já vivemos tão juntos e tão sós
que da vida perdemos o sentido

ALEXANDRE O'NEIL

Sunday, March 12, 2006

UMA REDUZIDA PRÉ-HISTÓRIA DA REVOLUÇÃO DOS CRAVOS, SEJA LÁ ISSO O QUE FOR!

6 de Janeiro de 1973- O Expresso inicia a sua publicação, divulgando pela primeira vez em Portugal uma sondagem política. O seu principal resultado é o facto de 63% dos portugueses responderem nunca ter votado.
9 de Janeiro de 1973- Doze funcionários públicos são compulsivamente demitidos, sob a acusação de terem estado presentes, em 30 de Dezembro, numa vigília na Capela da Rato. Alberto Neto, padre responsável por aquela capela, é também afastado daquele cargo pelo Patriarcado de Lisboa.
20 de Janeiro de 1973- Amilcar Cabral, principal dirigente do PAIGC, é assassinado em Conakry.
24 de Janeiro de 1973- Sá Carneiro e Miller Guerra renunciam aos seus mandatos como deputados na Assembleia Nacional.
9 de Março de 1973- As autodenominadas Brigadas Revolucionárias fazem explodir bombas no DRM de Lisboa e nos Serviços Mecanográficos do Exército.
21 de Março de 1973- Os deputados Casal Ribeiro e Reboredo e Silva pedem, na Assembleia Nacional, a pena de morte para os implicados naquelas explosões.
4 de Abril de 1973- Em Aveiro, o III Congresso da Oposição Democrática coloca como seus principais objectivos o fim da guerra colonial e a conquista das liberdades democráticas.
1 de Maio de 1973- As Brigadas Revolucionárias levam a efeito um atentado contra o Ministério das Corporações. No mesmo dia, a Pide/DGS informa que desde o início do ano foram presos 87 oposicionistas, dos quais 47 eram estudantes universitários.
6 de Maio de 1973- O I congresso da Acção Nacional Popular, em Tomar, reafirma a política de Marcello Caetano e do seu governo.
14 de Maio de 1973- A Faculdade de Letras de Lisboa é encerrada, após incidentes entre estudantes e "gorilas".
10 de Julho de 1973- O jornal britânico The Thimes publica um depoimento do padre Adrian Hastings sobre o massacre de 400 civis pelo exército português em Wiriyamu (Moçambique), ocorrido em Dezembro.
15 de Julho de 1973- Iniciam-se em Londres grandes manifestações contra a visita que Marcello Caetano ali principiará no dia seguinte.
18 de Julho de 1973- A Dinamarca propõe um inquérito internacional aos acontecimentos ocorridos em Wiriyamu e a Holanda propõe, na NATO, um embargo de armas a Portugal.
30 de Julho de 1973- Assinala-se o início de uma crise nas Forças Armadas portuguesas, devido à publicação do D.L. 353/73, que permitia aos milicianos ultrapassar os oficiais da Academia. Essa crise será o embrião do chamado "movimento dos capitães"
7 de Agosto de 1973- ONU condena política ultramarina de Portugal.
9 de Setembro de 1973- Reunidos em Évora, 136 militares pedem a revogação do D.L. 353/73.
24 de Setembro de 1973- PAIGC proclama, em Madina do Boé, a independência da Guiné-Bissau.
28 de Outubro de 1973- Eleições para a Assembleia Nacional, das quais a CDE, que personaliza a oposição ao regime, desiste antes da votação.
24 de Novembro de 1973- Numa reunião clandestina do "movimento dos capitães" em S. João do Estoril é pela primeira vez colocada a necessidade de fazer um golpe de Estado.
26 de Novembro de 1973- A ONU reconhece a independência da República da Guiné-Bissau.
1 de Dezembro de 1973- Clandestinamente reunido em Óbidos, o "movimento dos capitães" elege a sua comissão coordenadora, escolhendo Vasco Lourenço, Otelo Saraiva de Carvalho e Vítor Alves para dirigir o golpe de Estado em preparação.
3 de Dezembro de 1973- O governo de Marcello Caetano manda encerrar compulsivamente várias associações de estudantes.
17 de Dezembro de 1973- Numa aula do Instituto de Altos Estudos Militares, o major Carlos Fabião denuncia a preparação de um golpe de Estado liderado por Kaúlza de Arriaga.
10 de Janeiro de 1974- Marcello Caetano rejeita uma solução federativa para o problema colonial português.
15 de Janeiro de 1974- O General António Spínola declara, na sua tomada de posse como Vice-Chefe do Estado Maior das Forças Armadas, que aquela instituição não é "uma guarda pretoriana do poder político".
31 de Janeiro de 1974- Inicia-se uma vaga de greves operárias, que se estenderá pelo mês seguinte. Trabalhadores da Fábrica de Limas Tomé Feteira, em Vieira de Leiria entram também em greve. A turma 35, da Escola Comercial e Industrial de Leiria, entra também em greve, protestando contra problemas no ensino e solidarizando-se com aquela vaga de greves operárias. São suspensos 30 alunos do Instituto Superior Técnico de Lisboa.
22 de Fevereiro de 1974- É publicado o livro "Portugal e o Futuro", do General António Spínola, que nele toma a coragem de defender que a solução do problema colonial português deverá ser política e nunca militar.
5 de Março de 1974- O "movimento dos capitães" reúne clandestinamente em Cascais, criando o Movimento das Forças Armadas e decidindo tomar contacto com os partidos políticos clandestinos.
14 de Março de 1974- Os generais Costa Gomes e António Spínola são exonerados da chefia das Forças Armadas portuguesas.
16 de Março de 1974- Forças militares do quartel de Caldas da Rainha iniciam um levantamento militar para depor o governo de Marcello Caetano. Essa tentativa de golpe de Estado é neutralizada antes de entrar em Lisboa.