Monday, May 22, 2006

NOTAS SOLTAS SOBRE O PRIMEIRO FIM-DE-SEMANA DO XIV CISTERMÚSICA

Começou na tarde do passado sábado a edição deste ano do Cistermúsica. O primeiro dado importante a reter no enquadramento informal de notas soltas por que optei para aqui publicar as minhas opiniões sobre o Festival de Música de Alcobaça de 2006 é o feliz facto de Alexandre Delgado se manter como director artístico daquele que é o mais importante evento cultural apresentado em Alcobaça. O que permite que mesmo com um orçamento muito mais baixo que os mais qualificados festivais de música nacionais o de Alcobaça se mantenha de há cinco anos a esta parte nesse elevado patamar de qualidade artística e programática...
Foi o próprio Alexandre Delgado que iniciou o Cistermúsica 2006 por sua conta e risco, apresentando ao fim da tarde de sábado, 20 de Maio, no Pequeno Auditório do Cine-Teatro de Alcobaça, a sua palestra Mozart: Luzes e Sombras do Classicismo, cujo temática ondeava entre a análise das Sinfonias nº 26 e nº 40 de Mozart, um dos homenageados, num ano em que na concepção temática do Festival de Música de Alcobaça predominam algumas das mais importantes efemérides musicais do ano em termos de centenários do nascimento e falecimento dos compositores Mozart, Schumann, Chostakovitch, Armando José Fernandes e Fernando Lopes-Graça. Como é habitual em praticamente tudo o que Alexandre Delgado faz aquela palestra correu mesmo muito bem, com o palestrante a disseminar a sua sabedoria e o seu bom humor de um modo culto e interessante, perante um número de espectadores bem mais composto que o normal em acontecimentos deste género...
À noite, no Cine-Teatro, foi apresentado o primeiro concerto do Cistermúsica 2006, espectáculo sinfónico em que a Orquestra do Norte, dirigida pelo Maestro Cesário Costa, actuou perante um auditório quase repleto de espectadores. Contudo, o concerto até nem começou de um modo muito bom, dado que a interpretação da Sinfonia nº 26 de Mozart não conseguiu fazer justiça àquela composição, tendo aquela orquestra essencialmente desiludido pela sua falta de força e convicção, dando a impressão que estava a actuar com metade da eficiência e dos efectivos necessários. A Abertura Manfred de Robert Schumann foi a interpretação que se seguiu, já um bocadinho melhor e mais convincente, mas ainda muito longe do que se esperava de Cesário Costa e dos seus músicos. Seguidamente tudo melhorou, e a interpretação do Concertino Para Violeta e Orquestra de Fernando Lopes-Graça acabou por ser a melhor e mais densa interpretação da noite, acima de tudo pela brilhante presença em palco do solista Jano Lisboa, violetista que se mostrou muito seguro e de uma excelência interpretativa muitos furos acima da orquestra que o acompanhou. Da música do bailado O Homem de Cravo na Boca, de Armando José Fernandes, que se seguiu no alinhamento do concerto, pouco haverá a dizer, dando mesmo a clara sensação de que o trabalho criativo daquele compositor nunca se conseguiu distanciar muito da música ligeira... Para terminar a noite, foram interpretadas as seis peças da Suite de Bailado nº 1 de Dmitri Chostakovich, que acabaria por ser o grande triunfador da noite, em termos de agrado do público, o que motivou mesmo um duplo encore com a repetição de duas dessas peças. No final poderá dizer-se que este concerto até não foi mau, mas poderia ter sido efectivamente muito melhor!
Na tarde do domingo seguinte já a coisa piou muito mais fino, no Convento de Cós, num concerto de música de câmara em que actuou o muito aguardado Cuarteto Casals, cuja actuação fez juz à excelente qualidade técnica e interpretativa que se esperava, num espectáculo que foi pura e simplesmente fantástico. Chostakovich voltou a ser a grande figura do dia, em termos de compositores interpretados neste Cistermúsica 2006, tendo o seu Quarteto nº 3 em Fá Maior agradado sobremaneiramente a um público que novamente compunha muito bem a sala, deixando poucos espaços vazios e aplaudiu aquela composição com um ímpeto raramente ouvido por estes lados. Todavia, o Cuarteto Casals deu também muito boa conta de si na interpretação do Quarteto nº 3 em Mi bemol Maior de Juan Antonio Arriaga e no Quarteto nº 15 em Sol Menor de Franz Schubert, demonstrando uma qualidade e um profissionalismo a toda a prova, justificando mesmo que se escreva que este terá sido um dos melhores espectáculos de sempre no Festival de Música de Alcobaça. Porém, o melhor do Cuarteto Casals ainda estava para vir e acabou por registar-se num notável e muito sintético encore em que aquele quarteto de cordas acabou mesmo por mandar completamente o seu público às cordas, extasiado perante a sua irresistível interpretação da Canção do Mouro de Manoel de Falla! Depois do autêntico tiro no porta-aviões que foi este concerto no Convento de Cós, vamos lá a ver como é que o festival se vai aguentar num próximo fim-de-semana em que me parece muito difícil repetir a elevada categoria deste espectáculo. On verra...

2 comments:

VR said...

Também fiquei muito feliz com o sucesso do concerto. E de o ver por cá. Um grande abraço para si.

José Alberto Vasco said...

Eu é que fico feliz quando pessoas como o Valdemar vão estando sempre atentas ao que por aqui vou publicando. Na verdade o concerto do Cuarteto Casals no Convento de Cós foi mesmo uma autêntica maravilha. Só foi pena que mais uma vez os músicos tivessem actuado do lado do altar, sector daquele convento que é realmente muito bonito, embora as suas qualidades acústicas sejam muito inferiores às do outro lado, no chamado Coro das Religiosas, cujos madeiramentos propociciam uma qualidade acústica notável. Foi lá que assisti a um dos melhores concertos da minha vida, em 19 de Maio de 2001, curiosamente também integrado num Cistermúsica, o IX: escrevo sobre um inesquecível recital com a soprano Ana Ferraz e a pianista Gabriela Canavilhas. Outro dos concertos da minha vida também foi lá apresentado, estando eu dessa vez no papel de director artístico do programa de concertos que acompanhou o lançamento da primeira edição da Espaços Adepa- Revista de Património. Esse espectáculo foi apresentado no Convento de Cós em 20 de Abril de 1996 e foi uma das primeiras actuações dos The Gift fora do seu inicial ninho artístico: o Bar Ben. Escusado será dizer que tudo correu mesmo muito bem e que nessa noite se registou certamente a maior enchente até hoje registada num concerto apresentado no Convento de Cós- cuidados observadores estimaram então a presença de mais de 700 espectadores!
Ainda mais recentemente, há dois anos, assisti também do lado do Coro das Religiosas a um outro notável momento musical, com uma actuação a solo do prestigiadíssimo acordeonista alemão Friedrich Lips, integrada num espectáculo da Semama do Acordeão desse ano...
É claro que tenho a pura noção de que muito ainda se vai poder realizar naquele belíssimo convento. Assim haja interesse e disponibilidade...