Pode escrever-se que, tal como era previsível, o Cistermúsica encerrou da melhor maneira, ontem à tarde, a sua décima-quarta edição. A Orquestra Gulbenkian e a Sinfonia nº 40 de Mozart atraíram ao Cine-Teatro de Alcobaça muitos espectadores, embora ainda não tenha sido desta vez que o Festival de Música de Alcobaça registou a sua primeira lotação esgotada desde o ano em que (finalmente!) começou a cobrar as entradas dos seus concertos. Ainda assim, foi muito consolador ver a plateia daquele auditório praticamente repleta, dando ainda lugar à ocupação de alguns dos lugares do balcão, onde se podiam mesmo ver algumas distintas personalidades locais...
Quanto ao concerto propriamente dito, foi-me grato verificar o excelente rendimento e a convincente performance que a direcção da Maestrina Joana Carneiro imprimiu à Orquestra Gulbenkian, que apesar de já ter até àquela data actuado várias vezes em Alcobaça, nunca o tinha feito no seu festival de música. Os momentos mais edificantes do concerto viveram-se na sua segunda parte, na qual todos fomos beneficiados com uma interpretação da Sinfonia nº 40 de Mozart em que orquestra e maestrina nos brindaram mesmo com todos os pontos nos iis, provocando, no seu final, uma estrondosa ovação de um público que me pareceu algo adormecido na primeira parte deste espectáculo... Nessa primeira parte, a Orquestra Gulbenkian interpretou a Sinfonieta de Fernando Lopes-Graça e a Suite Concertante Para Cravo e 0rquestra de Armando José Fernandes. E se na primeira o fez com a maior competência artística possível, já na segunda não terá conseguido o mesmo efeito, provavelmente devido ao facto de aquela composição e do cravo apresentado em palco não me terem parecido adequados às condições acústicas, logísticas e físicas do nosso Cine-Teatro, facto do qual não teve quaisquer culpas o cravista Marcos Fernandes, cuja performance não desiludiu, antes pelo contrário, embora a equivalência entre a sua actuação e a da própria orquestra lhe tenha sido muito desfavorável...
O saldo artístico deste concerto pareceu-me positivo, embora durante o seu intervalo alguns melómanos alcobacenses tenham mostrado opinião desfavorável, no que respeita ao equilíbrio entre as composições interpretadas na sua primeira e na sua segunda parte. Eu situo-me entre os que têm enaltecido o meritório trabalho de divulgação que o actual director artístico do Cistermúsica tem feito nos seus cinco anos de programação do festival no que respeita a compositores portugueses como Armando José Fernandes, Fernando Lopes-Graça, Frederico de Freitas, Jolly Braga Santos, Luís de Freitas Branco ou Viana da Mota, mas verdade é que existem já muitos melómanos locais que consideram que essa parte do "serviço público" inerente a um evento deste género já começa a estar algo completa e a cansar um bocadinho muitos dos espectadores do Cistermúsica. Houve até quem me tivesse perguntado (como se eu o pudesse saber...) se eu sabia qual o motivo por que é que a música de um outro compositor português do século XX, Ruy Coelho, não tem sido também incluída na programação do Festival de Música de Alcobaça... A isso não soube nem sei responder, mas verdade é que, por exemplo, teria ouvido com muito melhores ouvidos neste concerto música de outros compositores esta ano homenageados no Cistermúsica... Quanto a mim, este espectáculo teria tido muito melhores resultados em termos de "serviço público" se uma das composições da sua primeira parte tivesse sido suibstituída pela Sinfonia em Dó Maior op. 61 de Robertt Schumann (muitas vezes comparada à 5ª de Beethoven!) ou pela Sinfonia nº 10 de Dmitri Chostakovitch (a tal cujo irónico 2º andamento consta retratar a malvadez de Estaline contra aquele compositor!).
E assim se concluíu a bom gosto o XIV Cistermúsica- Festival de Música de Alcobaça, embora estas Notas Soltas Sobre o Cistermúsica 2006 no blogue Nas Faldas da Serra apenas sejam concluídas na próxima semana, com a publicação do meu balanço (e juízos para o futuro) sobre esta edição do festival, que provavelmente ocorrerá na tarde da próxima segunda-feira, esperando mais uma vez a melhor atenção dos simpáticos visitantes e opinantes deste blogue!
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3 comments:
Olá Pedro! Muito obrigado pela tua intervenção. Compreendo o teor e a intenção do que escreveste. Eu também não me revejo minimamente na música do Ruy Coelho nem nas suas princesas com sapatos de ferro... Deverás ter reparado que apenas dei nota de uma opinião que me foi transmitida... Quanto a mim, como deverás calcular, sinto muito mais a falta da música culta contemporânea (nomeadamente em termos de composições encomendadas) na programação do festival. E penso que depois do relevo dado aos compositores do século XX poderia ter chegado a hora dos que iniciaram o século XXI...
Quanto ao que escreveste, é claro que tenho quase a absoluta certeza de que a música do Ruy Coelho tem sido votada ao quase total esquecimento devido ao seu claro alinhamento político com o regime deposto em Portugal em 25 de Abril de 1974. Além disso, a verdade é que ele também não compôs nada de especialmente relevante, não achas? O Ezra Pound também evidenciou declarada simpatia pelo fascismo italiano e não deixou de ser um notável poeta! E penso que também sabes que o Gabriele d'Annunzio era um autêntico "fascista dos 4 costados" e nem por isso o Claude Debussy deixou de compor o seu Le Martyre de Saint Sebastien sobre a sua convicta poesia...
Caro José Alberto:
Avaliar a obra de Ruy Coelho pela "Caça aos Coelhos" do L. Graça, não me parece correcto. Pergunto quantas obras de Ruy Coelho conhece? A avaliação de um compositor não se faz pela leitura de críticas vindas de um inimigo "figadal" do Maestro.
Já leu por acaso as respostas do Ruy Coelho?
Por outro lado, é inimaginável avaliar um compositor pelas suas opiniões políticas!!! De qualquer forma, deixe-me dizer-lhe, com conhecimento de causa que Ruy Coelho não era assim tão pró estado novo como o prezado amigo afirma (de onde tirou essa ideia? do Lopes Graça?)
Gravei um CD de obras para piano do Maestro o que me levou a uma intensa pesquisa, e posso dizer-lhe que se torna necessário que conheça PESSOALMENTE a obra do Maestro (quantas conhece, repito-me?) e fazer a sua critíca pessoal depois. Estranho que grandes críticos mundiais enalteceram este compositor. Há pouco tempo uma estudante alemã fez a sua tese de doutoramento sobre a sinfonia camoneana nº1 e tece-lhe enormes elogios.
O nosso mal em Portugal é que temos mais pressa em esquecer do que em recuperar!!! (Já não falando do comentar sem conhecer!)
Com os meus melhores cumprimentos
Fernando Cunha
fernando.j.cunha@clix.pt
Caro Fernando Cunha, eu apenas deixei no ar a questão "Porque é que a programação do Cistermúsica nunca incluiu música de Ruy Coelho"... Embora a mesma já tivesse sido interpretada e dançada em Alcobaça, noutro contexto e noutra década... Um abraço!
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