Terminada mais uma edição do Cistermúsica, não posso deixar de aqui publicar um balanço sobre o modo como decorreu esta décima-quarta edição de um festival que já se impôs como o mais importante evento cultural organizado e apresentado em Alcobaça. Só o facto de o festival existir e se manter de pé é por si mesmo digno de registo, merecendo mesmo ser a primeira nota positiva aqui registada e perpetuada. A edição deste ano do festival merece-me um balanço positivo, embora marcado por algumas nuances negativas...
Os mais relevantes momentos do Cistermúsica 2006 registaram-se no concerto de música de câmara apresentado pelo Cuarteto Casals no Convento de Cós, na segunda parte do recital do pianista Artur Pizarro no Cine-Teatro de Alcobaça, no concerto vocal da Capela Joanina na Sala do Capítulo do Mosteiro de Alcobaça e na segunda parte do concerto da Orquestra Gulbenkian que encerrou esta edição do festival, no Cine-Teatro de Alcobaça. A maior desilusão desta edição do Cistermúsica ocorreu no concerto de Ensemble Contrapunctus com a soprano Elizabeth Keusch no Cine-Teatro de Alcobaça, não só pelo facto de as suas interpretações não terem correspondido ao que se esperava mas também pelo facto de esse espectáculo ter, infelizmente, primado pela quase total ausência de público. O espectáculo mais fraco desta edição do festival ocorreu na Sala do Capítulo do Mosteiro de Alcobaça, acima de tudo devido a motivações organizativas, nomeadamente pela inadequação do local e pela irritante e incompreensível utilização do velho e estafado piano da Câmara Municipal de Alcobaça, que muito prejudicaram a conferência- concerto sobre as sonatas e sonatinas de Fernando Lopes-Graça, apesar de tudo muito dignamente apresentada por Patrícia Bastos, num espectáculo em que não compareceram nem o director executivo nem o director artístico do festival (pelo menos a deste último sentiu-se bastante...).
Num festival essencialmente custeado por dinheiros públicos penso ser necessário reavaliar alguns problemas que nele se têm verificado, nomeadamente o facto de alguns dos seus espectáculos terem tido muito pouco público, o facto de alguns sectores do seu antigo público fiel se terem afastado dos espectáculos do Cistermúsica e o facto de nos seus espectáculos se verem muito poucos jovens entre a assistência, nomeadamente no que respeita a alunos da escola de música que o organiza. Numa altura em que muito se fala de serviço público, sou levado a aqui escrever que neste caso, serviço público deverá implicar a presença de público...
Várias são em minha opinião as situações a rever pela organização do festival, a fim de evitar que, tal como aqui anteriormente escrevi, o festival possa ser mesmo ferido de morte... E neste caso devo aqui esclarecer que tenho a perfeita noção de que o facto, quanto a mim tardio, de se terem começado a cobrar as entradas nos espectáculos do Cistermúsica afastou dele bastante público, embora isso não explique tudo, dado que, tal como todos vimos, espectáculos houve em que apesar de se cobrarem entradas se registou a afluência de muito público! Penso que as chaves para a resolução desse problema podem ter origem em campos como a aposta numa melhor e mais cuidada divulgação (que efeitos produziram este ano, por exemplo, os anúncios de página inteira publicados no Público?), na aposta em intérpretes mais conhecidos junto do público tipo deste género de eventos (essa é a bem sucedida aposta da Fundação Gulbenkian para a sua próxima temporada de concertos), numa aposta mais intensiva na obtenção de apoios finaceiros da economia privada (o Festival Música em Leiria é desse facto um bem sucedido exemplo), a revisão do período do ano em que decorre o festival (época de exames, outros festivais...) e até mesmo uma reavaliação do carácter e da abrangência da programação do festival (é claro que aí reside o principal factor de sucesso dos mais recentes anos do Cistermúsica e do interessante sentido nele imbuído de há cinco anos a esta parte pela direcção artística de Alexandre Delgado, nomeadamente no que respeita à atenção por ele dispensada à produção musical de compositores normalmente menos interpretados ou aos compositores portugueses do passado século. Todavia, há público que se afastou do festival por não se rever nesse enquadramento artístico e reclame composições mais acessíveis ao gosto do público -nomeadamente dos períodos clássico e romântico- e há público que dele se afasta por achar que ele se tem fechado muito em torno de certos compositores e certos géneros, reclamando mais eclectismo na sua programação. Quanto a mim, todos esses são dados a rever pela organização do Cistermúsica, o que, contudo, não implica forçosamente uma mudança de director artístico, mas sim uma reavaliação e reforço da sua direcção artística. É claro que Alexandre Delgado não será eternamente director artístico do Festival de Música de Alcobaça, mas penso que ouvir os sensatos juízos de gente como o tenor Fernando Serafim ou o percussionista Manuel Campos não seria agora desacertado de todo e poderia mesmo ser muito útil para o Cistermúsica e regenerador para o seu futuro!
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2 comments:
O semanário alcobacense Região de Cister noticiou na sua edição de hoje que Alexandre Delgado "vai deixar o festival", esclarecendo que "o Cistermúsica consome muito tempo" e que "quer dedicar-se à composição". Parecendo encerrar-se desse modo mais uma fase da vida do festival, espera-se agora uma decisão do Pelouro da Cultura da Câmara Municipal de Alcobaça no que respeita á sua XV edição e ao seu futuro. Tal como eu sugeri neste post, terá chegado a altura apropriada para reflectir muito seriamente sobre o passado, o presente e o futuro do Cistermúsica, esperando-se que isso suceda numa perspectivação do seu fortalecimento e renovação!
Regressado de 2 semanas de férias no Paraíso (Loire, Normandia, Bretanha) regressei à nossa santa terrinha de paixão e tive conhecimento de que durante essa minha ausência o actual director executivo do Cistermúsica, Rui Morais, anunciou a sua intenção de se demitir daquele cargo. Segundo o meu ponto de vista também esse facto não altera nada do que sugeri neste post, evidenciando mais uma vez a necessidade de uma ajuízada reflexão sobre o futuro do festival.
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