Thursday, August 16, 2007

FAZ HOJE 32 ANOS QUE COMÍCIO DO PARTIDO COMUNISTA PORTUGUÊS NO PAVILHÃO GIMNODESPORTIVO DE ALCOBAÇA FOI INTERROMPIDO COM MONUMENTAL TIROTEIO

A noite de sábado, 16 de Agosto de 1975, ficou assinalada em Alcobaça pela realização de um comício do Partido Comunista Português no Pavilhão Gimnodesportivo da (então ainda) vila. Estava-se em pleno “Verão Quente de 75” e o evento assumia a especial particularidade de um dos seus oradores anunciados ser Álvaro Cunhal, então secretário-geral daquele partido. Essa semana voltara a ser assombrada, a nível nacional, por uma série de assaltos a sedes de partidos, sindicatos e outras organizações de esquerda portuguesas, bem como pelas consequências de um golpe militar da UDT em Timor e pelo risco de deflagração de uma guerra civil naquele território. Depois da publicação do chamado Documento dos Nove, também nessa semana, o Copcon apresentou publicamente um seu outro “programa para salvar a revolução portuguesa”, seguindo-se também a um messiânico tratado de Mário Soares sobre a mesmíssima questão. Em 13 de Agosto anunciava-se que uma lista liderada por Mário Contumélias e afecta ao MRPP e ao PS vencera as eleições para o Sindicato dos Jornalistas, sendo dois dias depois emitido um comunicado em que um grupo de jornalistas do Diário de Notícias contestava a direcção editorial então ministrada nesse matutino por Luís de Barros, seu director, e por José Saramago, seu subdirector, acusando-os de estarem a conduzir aquele matutino para “uma crescente onda de descrédito” e de ter afastado dos seus quadros “excelentes profissionais” que apenas tinham tentado servir o jornal “com uma informação verdadeiramente revolucionária, porque objectiva e desapaixonada”.
Na manhã de sexta-feira, 15 de Agosto, os jornalistas Manuela de Azevedo, Luís de Oliveira Nunes e José Sampaio haviam divulgado publicamente as posições daquele grupo de 30 jornalistas contestatários da direcção editorial do Diário de Notícias, dando a conhecer o abaixo-assinado em que acusavam Luís de Barros e José Saramago de “evidente sectarismo de opinião publicada” e de um “gravoso silêncio” em apoio ao “Documento Correia Jesuíno, que pretende restabelecer a censura à informação em Portugal”. No mesmo dia, em Lisboa, durante um comício do Partido Socialista, o antigo chefe de redacção do diário República, João Gomes, condenou violentamente o governo liderado por Vasco Gonçalves, acusando-o de que ele ficaria “na história como um símbolo de incapacidade, de incompetência e um símbolo do fala-barato: um símbolo da nulidade”. Á mesma hora, também em Lisboa, num comício do Partido Comunista Português no Pavilhão dos Desportos, Álvaro Cunhal acusava “o grupo dirigente do PS” de em vez de se unir “às forças progressistas” se haver voltado “contra as forças revolucionárias, alargando as suas alianças à direita” e convergindo “com as forças mais reaccionárias”. Ainda nessa sexta-feira, e depois de durante um comício do PPD em Bragança, o seu secretário-geral Emídio Guerreiro ter clamado contra a inutilidade da chamada “Campanha de Dinamização Cultural do MFA” naquela região, o mesmo Emídio Guerreiro lançara num comício de Cascais outro contundente ataque ao governo gonçalvista, terminando o seu discurso com o mediático apelo “Basta, companheiro Vasco!”, que se tornaria “a” parangona jornalística nacional do dia seguinte. Em Timor, nesse mesmo dia, a situação política voltaria a agravar-se, tendo-se também sabido que o Comandante da PSP em Díli, Maggiolo Gouveia, abandonara esse posto, aderindo à UDT.
Chegados á noite de sábado, 16 de Agosto de 1975, quase todos os caminhos de Alcobaça iam dar ao seu Pavilhão Gimnodesportivo e ao comício do Partido Comunista Português que registaria a participação de Álvaro Cunhal, que nele iria discursar. O meu já aqui anunciado período de reflexão política pessoal continuava e apesar das minhas já então muito abaladas convicções trotzquistas, não deixei de me deslocar àquele local, para muito democraticamente ouvir o que o meu suposto inimigo estalinista lá iria declarar, ali me deslocando bastante convicto do anti-estalinismo que ainda hoje mantenho… Fui acompanhado pelo meu amigo Tó Filipe e a verdade é que quando lá cheguei e entrei logo vi que aquela festa/comício pouco tinha a ver politicamente comigo. E escrevo festa porque aquilo era isso mesmo, uma festa em que cantos, aclamações e bandeiras vitoriavam o partido mais fracturante da sociedade portuguesa e a sua figura maior, Álvaro Cunhal, que alguns minutos depois vi entrar na sala, com o ar simultaneamente esfíngico e irónico que a História reserva aos seus heróis (e anti-heróis)… O comício começaria poucos minutos depois, com um discurso do senhor Dionísio, anunciado como delegado sindical na Crisal, então a maior unidade industrial do concelho de Alcobaça. Foi precisamente durante esse discurso que o comício foi interrompido por um monumental tiroteio vindo do exterior do pavilhão. Quase mecanicamente, foi montado no seu interior um bem treinado mecanismo de defesa, a cuja organização assisti tão impávido e sereno como aterrorizado pela incerteza do que me esperaria lá fora, ou até se dali conseguiria sair. E a verdade é que esses temores se aprofundaram quando confirmei que muitos dos militantes do PCP ali presentes já estavam então armados dos pés à cabeça, o que me levou a prever um agravamento da situação. A verdade é que o tiroteio foi aumentando e que eu então me desloquei para o sector do pavilhão onde ainda se situava Álvaro Cunhal, tendo mesmo estado a cerca de um metro daquele que eu já então considerava ser um dos principais responsáveis pelo enfraquecimento prático e teórico da esquerda portuguesa. Ali estive durante alguns minutos, ouvindo o aceso tiroteio que se desenrolava lá fora e as pedradas que amiúde batiam nos vidros daquele Pavilhão Gimnodesportivo. Em dado momento viveu-se mesmo o maior susto daquela noite naquele local, quando um estrondoso ruído anunciou a queda de uma das janelas situadas ao alto daquele pavilhão, poucos metros atrás do local onde se encontrava o icónico líder comunista. Certo é que poucos minutos depois deixei de ver Álvaro Cunhal, que seguidamente constou ter conseguido abandonar o local dissimulado numa ambulância. E eu lá continuava, observando e vivendo aqueles marcantes acontecimentos e verificando que, apesar do cerco que lá fora se desenhava e anunciava, a defesa movida pelos militantes do PCP fora entretanto reforçada com outros elementos armados, oriundos da Marinha Grande. Algumas horas depois, após alguns instantes mais violentos e após alguns episódicos abrandamentos, tudo parecia ter acabado, e começámos então a sair muito calmamente do pavilhão e a dirigirmo-nos para casa, verificando que essa nossa saída estava fortemente protegida por dezenas de militares oriundos do RI 7 de Leiria e do RI5 de Caldas da Rainha, que a PSP local chamara em seu apoio. Viam-se também muitos vidros partidos e muitos automóveis danificados, durante esse percurso, embora já não se registassem quaisquer sinais de presença das pessoas que haviam ostensivamente cercado o pavilhão. E confirmei isso dirigindo-me, a pé, do pavilhão até à minha casa, na Avenida João de Deus, passando por locais a essa hora praticamente desertos, como a Praça João de Deus Ramos, a Rua Alexandre Herculano ou a Praça 25 de Abril. Apenas no domingo seguinte confirmei, lendo o Jornal de Notícias, que centenas de pessoas haviam montado aquele cerco ao comício do PCP, tendo mesmo erguido barricadas e fogueiras durante esse seu intento. Soube também por esse jornal que durante aquela confrontação a tiro e à pedrada se haviam registado vinte feridos, quatro dos quais haviam recebido tratamento hospitalar. O que é certo é que a vida continuou a andar em Alcobaça e no resto do país, depois de mais uma noite muito triste para a jovem Democracia portuguesa e que eu lá continuei a minha vidinha e o meu caminho para um futuro que politicamente se afastava cada vez mais de uma esquerda que dia a dia se me mostrava inconsequente em termos de adaptação aos novos tempos que mundialmente despontavam, e que até já pouco tinham a ver com aqueles…

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