O espírito do barroco
1. Jean-Philippe Rameau (1683-1764): Les Tendres Plaintes - Rondeau [3'13'']
2. Georg Friedrich Haendel (1685-1759): Sarabande [2'10'']
3. Óscar da Silva (1870-1958): Dolorosa nº3 [3'03'']
4. Dmitri Chostakovitch (1906-1975): Prelúdio opus 87 nº1 [2'30'']
O espírito do romantismo
6. Franz Schubert (1797-1828): Trauerwalzer [1'54'']
7-10 Robert Schumann (1810-1856): Kinderszenen (Cenas Infantis), opus 15:
nº1 Von fremden Ländern und Menschen (De terras e gentes desconhecidas) [2'08'']
nº7 Traümerei (Sonhando) [2'51'']
nº13 Der Dichter spricht (Fala o Poeta) [2'49'']
nº9 Ritter vom Steckenpferd (Cavaleiro do cavalo de pau) [0'47'']
11. Johannes Brahms (1833-1897): Variações sobre um Tema de Paganini, opus 35 (2º caderno): Variação XII [1'48'']
12. Franz Liszt (1811-1886): En Rêve [2'36'']
O espírito ibérico
14. Padre José António [de San Sebastián] Donostia (1886-1956): Preludios Vascos: nº6 O 4;azez! - Dolor [1'48'']
15. Federico Mompou (1893-1987): Scènes d'Enfants nº5, Jeunes filles au jardin [3'18'']
16-18 Constança Capdeville (1937-1992): Visions d'Enfants:
nº3 Quand je serai soldat [0'42'']
nº4 Maman, j'ai vu dans la lune... [1'23'']
nº5 Humble danse des petits canards [1'22'']
19-20 Fernando Lopes-Graça (1906-1994): Cinco Embalos, LG 136 / 148:
nº4 [1'48''] *
O espírito da memória
21. Leo Janáček (1854-1928): Na památku (Lembrança) [2'15'']
22. Luciano Berio (1925-2003): 6 Encores, nº3: Wasserklavier (Piano de água) [3'04'']
23. Arvo Pärt (n. 1935): Variationen zur Gesundung von Arinuschka (Variações para a convalescença de Arinuschka) [4'33'']
O espírito do povo
24. Heitor Villa-Lobos (1887-1959): Chôro Típico nº1 (Chora violão) [4'01'']
25. João Maria Blanc de Castro Abreu e Motta (1914-1959): Olhos Negros - Fado [3'32''] *
26. Astor Piazzolla (1921-1992): Chris-talin - Tango [2'43'']
O espírito do futuro
28-29 Sara Claro (n. 1986): Nove Pequenas Peças
nº7 Balada [2'21''] *
nº9 Momento III [0'27''] *
30-31 Sérgio Azevedo (n. 1968): Duas Borboletas para Olga (para 2 pianos)
nº1 Tango Dolorido [2'11''] *
nº2 Valsa Realejo [1'59''] *
* estreias discográficas absolutas
Texto para CD Olga Prats Piano Singular
A Poesia Dentro de um Piano
Fazendo jus ao título deste CD (Muito próximo do título do livro que a editora Bizâncio publicou em Maio de 2007), Olga Prats conduz-nos numa viagem poética através do universo infinito da música escrita para teclado, uma viagem de três séculos e meio, que aqui se inicia com Rameau e Haendel, para continuar no presente com Berio e Piazzolla, e apontar para o futuro com Sara Claro. Uma viagem sem barreiras de estilos, épocas ou credos estéticos que, lado a lado com as formas clássicas da sarabanda, da gavota, da variação e do prelúdio, faz ouvir o fado, o tango, a valsa e o chorinho brasileiro.
Nesta viagem, como no vasto oceano, a linha do horizonte encontra-se sempre à mesma distância, por muito que na sua direcção caminhemos. Viagem sem rumo nem fim. Olga Prats detém-se no caminho, explora algumas veredas, afasta-se por vezes quilómetros do itinerário mais frequentado, Bach, Schumann, ou Brahms (que aceita, ainda assim, como a base do seu percurso), para conhecer e nos dar a conhecer clareiras e arvoredos esconsos, mas nem por isso (ou talvez por isso mesmo) menos belos: uma peça tardia de Liszt, uma raridade de Wagner, uma bagatela inspirada pela memória amorosa de Janacék, um quase que teatro musical em miniatura escrito por uma Constança Capdeville adolescente, ou um tango e uma valsa de Sérgio Azevedo dedicados a Olga Prats na forma de Duas Borboletas para Olga, essas criaturas evanescentes, símbolos de uma poesia alada e frágil, que a pianista tanto admira.
Este piano singular podia, aliás, intitular-se igualmente (usurpando o título de um dos ciclos pianísticos mais poéticos de Janacék), Por um caminho relvado, tal é a poesia romântica e misteriosa que se eleva das obras, escolhidas segundo critérios totalmente opostos à banal programação da maior parte de discos e concertos, que se obstinam em seguir apenas pelos caminhos já estafados do repertório, o qual, de tão explorado na mesma direcção, esconde a verdadeira riqueza e grandeza cósmica de um corpus absolutamente sem par em qualquer outro instrumento. Não houve praticamente um compositor, maior ou menor, que não tenha dedicado peças, uma que fosse, ao piano (ou ao cravo, o que vai dar ao mesmo, sendo que muito do repertório cravístico funciona igualmente bem, senão melhor, no piano moderno), sendo Berlioz, Verdi e Puccini as excepções clamorosas que confirmam a regra.
Para além do elevado número de obras para ele escritas, o piano, instrumento de eleição de maior parte dos compositores enquanto auxiliar da criação, serviu também de diário musical, diário onde os pensamentos mais profundos, íntimos e elevados encontraram a sua madre e aí fecundaram. Não admira pois, que compositores menos célebres, ou até de segundo plano, tenham igualmente deixado música admirável de poesia para o instrumento, e mesmo entre os não pianistas como Wagner, conhecido sobretudo pelos seus dramas operáticos e pela técnica orquestral tenham existido momentos sublimes imaginados para um instrumento que, ou não tocavam de todo, ou dominavam muito mal. A Chegada dos Cisnes Negros, desse mesmo Wagner, consegue em alguns minutos de música transformar o solitário piano num Bayreuth em miniatura, e as três vezes que o tema se faz repetir, no início e fim da peça, antecipam o Tristão e as três enunciações do presságio da morte com que se abre o audacioso terceiro acto do mais audacioso e romântico drama musical alguma vez escrito.
Não obstante a beleza que se desprende destas páginas, quantas vezes deparamos com uma tal obra programada? Ou com o enigmático En rêve, do velho Liszt? Ou ainda com esse hino à memória amorosa, nostalgia de um tempo irrecuperável, que é Recordação, de Léos Janacék, a última obra que o velho mestre escreveu, antes de se embrenhar debaixo de uma tempestade nos bosques morávios à procura do filho de Kamila, por amor de quem virá a falecer depois de uma pneumonia contraída nessa busca insana? E que dizer das despojadas e tragicamente simples Variações para a convalescença de Arinushka, de Arvo Pärt, escritas para a filha doente do compositor, do enigmaticamente aquático Wasserklavier de Luciano Berio, dedicado a um amigo querido, ou da liberdade agógica do maravilhoso Where have I known you before de Chick Corea?
São alguns destes tesouros de uma história da música muito diferente da história da música sem imaginação que povoa a maior parte das programações pianísticas, que Olga Prats nos oferece neste registo íntimo, pessoal, e inequivocamente singular, como ela também o é.
© Sérgio Azevedo, 2007 para Trem Azul
O Nas Faldas da Serra ainda não ouviu o CD, mas não hesita em aconselhá-lo aos seus visitantes e amigos. Sem espinhas!
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