O recital de ontem à noite, no Cine-Teatro de Alcobaça, era muito provavelmente o espectáculo aguardado com maior expectativa neste XIV Festival de Música de Alcobaça. Até por mim, que há quatro anos, quando estava prevista a primeira actuação de Artur Pizarro neste festival, tive o azar de essa data ter coincidido com a de umas minhas férias na Europa Central. Contudo, motivos de inesperada doença obrigaram então a uma substituição de Artur Pizarro por António Rosado, e, conequentemente uma alteração de programa. Acabei por não perder o Pizarro e até tive então a suprema sorte de poder assistir a um concerto no Musikverein, em Viena, no qual foi unicamente interpretada música de Mozart. Guardado estava então o bocado para quem o haveria de ouvir e foi com agradével satisfação que soube que desta vez é que era, ou seja, que Artur Pizarro veio finalmente actuar no Cistermúsica. E de que maneira tão boa o fez!
Os visitantes deste blogue terão certamente acompanhado a minha recente troca de mimos com o actual Director Executivo do Cistermúsica e muitos de vós estariam até certamente à espera que aqui viesse hoje postar com a língua afiada contra o recital de ontem, caso estivessem de acordo com o Rui Morais quando ele escreveu que eu este ano tinha cedido à inveja e à maledicência pura contra a actual organização executiva e artrística do Cistermúsica. Além de me ter transformado numa fera... Nada de mais errado, dado que eu, além de ser benfiquista, praticamente desde o primeiro ano do Cistermúsica não tenho feito mais que tentar ser uma voz crítica e independente, mas acima de tudo um defensor do Festival de Música de Alcobaça, o que não evita que eu deixe de manifestar a minha opinião crítica pessoal. E sublinho o termo pessoal, dado que essa tem sido desde sempre a principal característica da minha opinião publicada, há quase 20 anos... É claro que ando na rua, frequento espaços públicos e que falo com muita gente, não lhes voltando as costas quando falam comigo, e que por vezes tenho em conta as suas opiniões, mesmo que sejam diferentes das minhas. Como diria o Hegel: é a minha dialética...
Voltando ao recital de Artur Pizarro no Cine-Teatro de Alcobaça, deverei começar por aqui evidenciar que, apesar te a ele ter assistido mais público que nos dois espectáculos da semana anterior juntos, ele teria certamente merecido muito mais espectadores. E aqui refiro que na plateia se voltou a ver muita gente de fora de Alcobaça, inclusivamente a jornalista Maria João Avillez, confirmando que acertadas escolhas de cartaz atraem público de fora de Alcobaça ao Cistermúsica. Quanto ao de Alcobaça, infelizmente a coisa anda preta nesse campo...
A primeira parte do recital de ontem foi integralmente preenchida com a música do compositor alcobacense Carlos Tavares de Andrade, apresentada pela segunda vez em espectáculos do festival, dois anos depois do seu Quarteto Com Piano nele ter sido muitíssimo bem recebido. As suas composições para piano agora interpretadas não tiveram o mesmo efeito em termos de recepção do público, que as assimilou algo a frio, apesar da interpretação de Artur Pizarro se ter enquadrado perfeitamente dentro da qualidade esperada.A música de Carlos Andrade não é muito fácil de apreender e nela ressaltou mais uma vez de ela estar à sua época muito avançada face ao que então se compunha e exibia em Portugal, estando mesmo, como eu próprio escrevi na recentemente publicada Espaços Adepa 2- Revista de Património: temporalmente muito alinhada com aquilo que nessa época se fazia na chamada zona da frente musical, ou seja, na aurora do modernismo então nascente. Daí o facto de a sua música parecer e ser mesmo algo abstracta. Para mim foi um prazer ouvi-la e espero que Alexandre Delgado não interrompa a sua autêntica cruzada em prol da divulgação da música do compositor alcobacense Carlos Tavares de Andrade.
A segunda parte começou também algo morna em termos de emotividade, embora um pouco mais quente em termos interpretativos, com uma apresentação, sólida mas não marcante, do Prelúdio e Fuga de Le Tombeau de Couperin, de Maurice Ravel, mestre da composição de piano cuja música abriu assim espaço para o que viria a seguir, e que seria mesmo de ouvir e chorar por mais ! E foi mesmo assim, a interpretação de Artur Pizarro pareceu ter ganho asas e voar por ali fora, no espeçao do Cine-Teatro de Alcobaça, enredando e conduzindo sensorialmente os seus espectadores por um notável Prelúdio, Ária e Fuga de César Franck, que foi quanto a mim, não só a mais convincente interpretação da noite como até mesmo uma das mais fascinantes até hoje ouvidas no festival! Aliaram-se seguidamente a espectacularidade compositiva de Franz Liszt e a espectacularidade interpretativa de Artur Pizarro, para num enlenate Scherzo e Marcha em Ré Menor de Liszt voltar a fazer o público subir aos céus e voar também por ali fora, concluindo assim, aparentemente, o excelentíssimo recital que finalmente trouxe a Alcobaça presença física e artística do não menos excelentíssimo pianista português Artur Pizarro! (Já não certamente o primeiro, nem serei o último a escrever isto, o que não terá mesmo nada a ver com a nacionalidade, mas sim com a qualidade!).
Palmas, palmas, palmas e mais palmas premiaram ali mesmo aquela preciosa actuação de Artur Pizarro, atitude a que o mesmo correspondeu de um modo soberbo, no bom sentido, interpretando Aragon, de Federico Longas, daquele modo que apenas os pianistas de elite (no bom sentido!) conseguem fazer!!!
Um recital de notável qualidade, em qualquer parte do mundo, ao qual, infelizmente, deveriam ter correspondido mais alcobacenses... O mal foi deles!
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