Saturday, July 05, 2008

CICLO DE CINEMA A MÁFIA NÃO EXISTE, EM LISBOA, NO BACALHOEIRO

A Máfia Não Existe
Sistema, poder, corrupção nas terras de ninguém

Sempre existiu um equívoco de fundo nas tentativas de definição do que chamamos "máfia". Pode parecer óbvio, mas é necessário considerar a "máfia" (que, em realidade, seria mais oportuno denominar por máfias), antes que uma organização criminosa, uma organização de poder e um sistema empresarial que se constrói sobre o controlo de um território e incrementa a sua força quanto mais desenvolve a capacidade de estabelecer ligações rentáveis nos mais variados sectores do mercado. Isto evidencia como a sua principal garantia de existência não consta somente nos proveitos das actividades ilícitas, mas nas alianças e colaborações com funcionários do Estado, políticos e também com certos estratos de população. O malentendido está em considerar tais organizações de poder como forças do "Mal", contrapostas por uma força do "Bem". Parece mais oportuno utilizar o termo "máfia" para indicar uma maneira de organizar coisas não necessariamente ilícitas, uma forma de pensar, um sistema de valores, bem como culturais. Não é de se surpreender que exista quem creia esta maneira como a mais justa para se relacionar com o mundo.
Propomos neste ciclo um conjunto de filmes italianos – todos menos um produzidos entre os anos noventa e dois mil – que, utilizando dispositivos e formas heterogéneas e, por vezes, não falando directamente de máfia, pretendem abordar o tema controverso das suas ligações com o poder politico, com a comunicação social e, enfim, com a sociedade italiana. Apesar do cinema, principalmente americano, tenha produzido inúmeros filmes de "genro", as vezes fornecendo uma visão estereotipada da máfia e dos mafiosos, o que se verificou é incrível:
Já não é o cinema a observar o mundo criminal para apanhar os comportamentos mais interessantes. Acontece exactamente o contrário […] O cinema é um modelo de onde descriptografar modos de expressão. Em Nápoles […] os camorristas devem formar-se uma imagem criminal que, as vezes, não têm e que encontram no cinema. [R.Saviano, Gomorra, Mondadori – Strade Blu, Milano, 2006]
Ciclo programado por Adriano Smaldone
PROGRAMAÇÃO
8 de Julho, 22h30

"A memoria", Ciprì e Maresco, 1996, Itália, 38', mudo, p/b,V.O. original Italiano, legendas inglês, doc. "Grazie Lia – Breve inchiesta su Santa Rosalia", Ciprì e Maresco, 1994, Itália, 43', p/b, V.O. original Italiano, legendas inglês, doc.
É necessário um olhar cínico e lucidíssimo, longe dos lugares comuns e das imagens de postais, para representar aquela grande cidade, entre sonho e resignação, que é Palermo. Estes dois filmes-revelação expressam, como toda obra da dupla de realizadores, um dos olhares mais radicais do cinema contemporâneo. Preto e branco, planos fixos, degradação, detritos: o protagonista parece ser a periferia extrema, a terra de ninguém onde sempre foi lícito especular, o não-lugar governado pelas organizações de poder. Aqui não há nada, senão restos: ruínas de construções, resíduos de linguagem e de crenças, dejectos humanos. A periferia siciliana é, na realidade, a súmula de uma Itália autêntica, que talvez não convenha ver.

15 de Julho, 22h30
"Viva Zapatero!", Sabina Guzzanti, Itália, 2005, Itália, 98', V.O. original Italiano, legendas inglês, doc.
A partir da história do programa televisivo RaiOT, o documentário faz uma descrição da situação da liberdade de expressão e de informação em Itália. O programa foi encerrado com um gesto censório pela direcção da TV pública italiana em 2003, a causa das "complicações que originaram os ataques ao Presidente do Governo, Berlusconi, e aos seus colaboradores". Utilizando excertos televisivos, entrevistas a pessoas evolvidas, jornalistas e personagens que sofreram acções censórias, o filme (que se inspira nos documentários-inquéritos), consegue abrir a reflexão sobre o quadro das ligações entre média e poder político e, enfim, sobre o desconcertante tema do conflito de interesses, do abuso dos poderes na gestão do Governo e na relação entre as instituições em Itália

22 de Julho, 22h30
"I Cento Passi" (Os cem passos) Marco Tullio Giordana, Itália, 1999, 104', V.O. original Italiano, legendas inglês, fic. Cinisi, Palermo, anos '70. Cem passos dividem a casa de Peppino Impastato da casa de Tano Badalamenti, o boss mafioso daquela zona. Cem passos que Peppino, activista de esquerda, jornalista e speaker da rádio Aut, percorre somente para gritar "não" à conivência e à corrupção da geração do seu pai. O corpo de Impastato foi encontrado na linha de comboio Palermo-Trapani, desmanchado com 6 kg de TNT em 1978. O caso foi arquivado como suicídio; vinte anos mais tarde Badalamenti foi imputado como mandante do assassinato. O filme baseia-se em factos verídicos.

29 de Julho, 22h30

"Le Mani Sulla Città" (As mãos sobre a cidade) Francesco Rosi, Itália, 1963, 105' V.O. original Italiano, legendas espanhol, fic., p/b
Um homem olha para a paisagem e indica os prédios no fundo: "Aquilo é o novo ouro do Sul". Num bairro popular de Nápoles cai um prédio em obras provocando a morte de dois obreiros e o grave ferimento de uma criança. O empreiteiro é Eduardo Nottola, conselheiro municipal e militante do partido de direita, o que detêm a maioria. Objecto de uma interrogatória para acertar as responsabilidades, Nottola é forçado a abandonar a vida politica para silenciar o escândalo e não comprometer o partido. Mas a ambição do empreiteiro é mais forte dos receios dos seus dirigentes: trocando partido, pelo do centro, consegue ser nomeado vereador e prosseguir o seu projecto de especulação, cujo resultado será o de mudar o rosto da cidade. O cimento é o verdadeiro ouro do Sul. Os empreiteiros de sucesso do Sul fundam as suas fortunas no cimento.
Bacalhoeiro* grátis para os sócios cartão de sócio 5 eu / ano vàlido até Out 08
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218864891
Um ciclo de cinema que é uma realidade imperdível! Absolutamente!

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