Ontem foram 29 de Junho de 2007. Passaram-se precisamente 32 anos após o dia em que cerca das 18 e 30, oitenta e nove agentes e informadores da Pide, presos após a Revolução de Abril, fugiram da prisão de Alcoentre. O caso pareceu-me na altura muito estranho. Esse dia era um domingo e mesmo numa época tão conturbada da vida política e social portuguesa não me parecia haver grande justificação para que uma tão grande quantidade de criminosos conseguisse fugir de uma prisão supostamente bem guardada. Mas a verdade é que eles conseguiram fugir. Servindo-se de um plano bem organizado e de cruciais auxílios vindos do exterior. O caso foi à época tão polémico e invulgar que despertou forte e irredutível discussão sobre o modo como tudo fora preparado e sobre quais as ajudas que aqueles 89 presos haviam recebido nessa tão espectacular fuga. No dia seguinte, o Diário de Lisboa relatava mesmo testemunhos populares que asseguravam que esses fugitivos eram aguardados por uma grande quantidade de automóveis que auxiliariam a sua fuga, então estacionados no conhecido cruzamento da Ponderosa. Parece que essa ligação nunca foi provada, mas logo houve quem publicamente afiançasse que o PCP estava ligado a esse auxílio, e é aí que começa esta minha história...
Eu era nessa altura aquilo a que se chamava de simpatizante organizado de um movimento de extrema-esquerda, a LCI (Liga Comunista Internacionalista), e logo me disponibilizei para engrossar as barricadas que em muitos locais das principais estradas da nossa região foram montadas para tentar recapturar alguns desse fugitivos. Na primeira noite nada conseguimos, embora tivesse sido anunciado que nela foram capturados 17 desses evadidos. É claro que o ímpeto revolucionário de então motivou que essa nossa tentaiva de repor a justiça tivesse continuado no dia seguinte, segunda-feira, 30 de Junho de 1975, precisamente há 32 anos... E a verdade é que nessa noite acabámos por encontrar em pleno Rossio de Alcobaça, no cruzamento em frente à sede do PCP e à Farmácia Campeão, um indivíduo altamente suspeito de ser um desses 89 pides evadidos de Alcoentre. Fomos nós, os da LCI, juntamente com os do MRPP e os do PUP, que procedemos à captura e inquirição desse suspeito, que não era então portador de qualquer documento, facto que incrementou ainda mais as nossas suspeitas. Logo pensámos chamar alguém da PSP para proceder às investigações que as nossas suspeitas alimentavam. Foi então que saiu um grupo da sede do PCP, cuja intervenção acabou por libertar esse suspeito, que logo se evadiu da nossa vista, sem que lhe voltássemos a por a vista em cima... Após alguma indecisão da parte de quem anteriormente havia supostamente detido essa estranha figura, eu fui um dos que decidiram ir procurá-lo novamente, a fim de novamente o apanhar e seguidamente apelar à intervenção policial. Fomos no meu carro, o meu velhinho Sunbeam vermelho, eu, o então revolucionário simpatizante organizado da LCI, apenas acompanhado por um meu grande amigo, desde sempre militante do PPD/PSD, e por um outro meu amigo, filho de um grande industrial do concelho de Alcobaça, ou seja: eu, o "grande revolucionário" , apenas fui acompanhado nessa inglória perseguição por dois meus amigos que nunca foram nem haveriam de ser "de esquerda".... A verdade é que não voltámos a encontrar o nosso suspeito anteriormente libertado por acção de quem então apelidávamos de "controleiro local" do PCP, e que após algumas horas dessa mal sucedida perseguição eu entrei em quase mecânica reflexão sobre o facto de eu ter apenas como interessados companheiros dessa perseguição dois "gajos de direita"... Hoje, precisamente 32 anos depois, tenho finalmente coragem de assumir publicamente que nessa noite as minhas convicções de esquerda começaram a ficar seriamente abaladas... E embora eu estivesse então politicamente alinhado com um movimento de inspiração trotzquista, tenho hoje a certeza que esse abalo foi impelido por um senhor estalinista por quem eu nunca tinha sentido qualquer simpatia pessoal ou política...
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